19 novembro 2008

In Bruges (Martin McDonagh, 2008)




Bruges, cidade bucólica. Bruges, cidade medieval. Bruges, destino turístico apreciado pela multiplicidade de turismo cultural á disposição dos visitantes. Bruges, local perfeito para dois assassinos a soldo se esconderem depois de um trabalho que acabou mal. É este o ponto de partida para “Em Bruges”: dois trabalhadores da indústria dos “afastamentos coercivos” são enviados para a cidade belga algumas semanas até que o ambiente causado por um trabalho mal executado se possa dissipar.


Até aqui nada de fantástico num filme que deixa antever, pelo trailer, mais uma estória de gangster ao estilo “Snatch” de Guy Ritchie. Ou seja, muitos tiros, muitos palavrões e personagens idiossincráticas enquanto que o resto do filme passa numa névoa de movimento estilizado. “Em Bruges” não é isto. “Em Bruges” é um Noir-Europeu como há poucos, sendo que aqui não é a cidade o local ameaçador que tão bem é representado no noir clássico, mas é sim um local quase paradisíaco subvertido pela presença de duas figuras que escapam ao bucolismo da “cidade medieval mais bem preservada da Europa”. Sigamos então para as personagens. Comecemos por Ray, interpretado por Colin Farrel, é o jovem impaciente, atormentado pelo tal trabalho que não correu bem e dominado por sentimentos de culpa em relação ao que fez. Para Ray, não só a cidade de Bruges é uma pasmaceira, como também o país onde ela se encontra, “Porque é que alguém tem de ir à Bélgica?” deixa a interrogação ao espectador no final do filme. Ao bom estilo do cinema noir, a culpa e os tormentos de Ray são finalmente ultrapassados quando este consegue relacionar-se com a mulher redentora do filme. Ken é mais velho que Ray. Ken aprecia o tempo passado em Bruges como uma verdadeira oportunidade para relaxar e acalmar, ao contrário de Ray. É o mentor deste, tendo os dois uma relação com uma dinâmica pai-filho que Ken será obrigado a testar por imposição de Harry. Harry é o patrão dos dois. Apesar de não ter meias-medidas no tratamento dos seus empregados, Harry é um homem de príncipios, o que não deixa de ser uma ironia, tratando-se de um gangster. Há ainda que referir o anão racista (do qual não me lembro do nome), cereja no topo do bolo de humor negro e seco que é este filme. A festa com o anão e as prostitutas a que Ken e Ray vão é uma das peças centrais na definição do tom de comédia negra, apesar de ser apenas um interlúdio na narrativa principal da relação entre Ray e Ken.


Primeira longa-metragem de Martin Mcdonagh, este que é já um realizador oscarizado com a curta Six-Shooter, faz aqui bem a transição para formatos de maior duração. O filme aproveita bem a paisagem de Bruges para lançar mão de alguns planos extremamente belos, enquanto deixa a narrativa a fermentar. Nada a destacar no campo da fotografia, mas a banda sonora merece destaque, com o minimalismo a saltar à cabeça.


“Em Bruges” é um filme sobre a inocência, como se perde, como a recuperar, se é que é possível e como a manter num contexto extremamente contraditório com ela. Excelentes desempenhos dos três actores principais, Brendan Gleeson, Ralph Finnes e, sobretudo, Colin Farrel.

Este eu pagava para ver

17 novembro 2008

Saudades de William Shatner

Lembram-se do Star Trek? Do William Shatner, do Leonard Nimoy, do James Doohan, da Nichelle Nichols e do DeForrest Kelley e do George Takei?

Eu lembro, e tenho saudades deles. Até do Patrick Stewart, do Johnathan Frakes e do Brent Spinner.

Bons tempos, grandes estórias e actores capazes de nos fazer acreditar que um painel com luzes a piscar eram o controlo da Drive-Warp e do Teletransportador.

Bem, acho que fiz passar o suficiente para passar a ideia de que estou bastante céptico quanto a esta re-invenção do Star Trek, da qual os argumentistas já disseram que precisava de mais "Star Wars".

O trailer, portanto, e esperemos pelo dia 8 de Maio do próximo ano.


A turma: assimilar depois de ver

Antes que a oportunidade passe (e que o ano lectivo entre em pousio para as festividades da época) não quero deixar de falar de "Entre les murs", filme de Laurent Cantet que conquistou a última edição do festival de Cannes - o primeiro francês a fazê-lo em vinte e um anos.

Importa referir primeiramente que "A turma" (nome por que é designado em Portugal) é, logo ao nível da sua concepção, um objecto especial.
É baseado num livro de François Bégaudeau, que acumula este papel com o de protagonista (o professor de francês e elo entre a escola e as famílias). Na esteira deste, nenhum dos envolvidos era actor até esta data. Isso não será pioneiro (lembramo-nos, por exemplo, de Larry Clark), mas não deixa de ser curioso, até porque cada um dos intervenientes faz (e bem) de si próprio. Alunos, professores e pais tiveram, assim, a oportunidade de transpor para o grande ecrã um pouco da sua vida.

A acção desenrola-se numa escola no centro de Paris. O multiculturalismo é uma evidência (como seria de esperar de uma capital europeia cosmopolita) e, com ele, as as dificuldades e necessidades especiais destes jovens oriundos de bairros problemáticos. É esta experiência, que abrange um ano lectivo, que Bégaudeau tenta gerir da melhor forma para que, no final, os seus alunos se sintam, se não sabedores, pelo menos estimulados.

O professor é, então, um acérrimo defensor destes adolescentes. Tenta entrar no seu mundo, adaptando o programa curricular às suas motivações e deixando-o, não em raras ocasiões, de lado, em favor da construção de raciocínios e o inculcamento de valores universais. Na maioria dos casos opta por sabotar as tensões antes que estas se materializem. Esta posição chega a prejudicá-lo, ganhando a inimizade dos colegas e de alguns alunos que se aproveitam da sua postura. que o coloca por vezes demasiado próximo de quem é suposto tutorar.

É um retrato acutilante da França (e da Europa) contemporânea, cujas convulsões sociais a que temos assistido nos últimos anos são apenas a o reflexo desta evidência. Porque o multiculturalismo existe e deve ser celebrado. O preconceito e a ignorância derrubam-se através da educação.

"A turma" oferece valiosos ensinamentos para pais e professores, para que uns compreendam a posição dos outros, e sobretudo para que deste equilíbrio aproveitem as crianças. Para os progenitores, fica a ideia de que esta é de facto uma profissão/missão difícil e que os seus filhos são um produto da sua educação (ou falta dela). Para os docentes fica uma abordagem inteligente e alternativa aos tradicionais caminhos que levam à exasperação e ao insucesso.

14 novembro 2008

Entre guardiões e aprendizes de feiticeiros



Para tentar recuperar da frustração de ter chegado às bilheteiras dos cinemas do Dolce Vita para ver o "Blindness" e ter batido com o nariz na porta, vou publicar o meu primeiro post aqui no estaminé.

Depois de a Warner ter ganho uma pipa de massa com o "The Dark Knight" (TDK para os amigos), a coisa parece já estar bem encaminhada para o próximo ano.

Os estúdios dos irmãos Warner acabam de lançar os trailers de duas das suas maiores promessas do ano que vem.

Se por um lado temos o suposto "Citizen Kane" dos filmes de super-heróis (citando o Fernando a citar a Empire) de nome "Watchmen" (com um belo trailer aqui) , do outro temos a certeza chamada Harry Potter, que mesmo depois de ter acabado literariamente (e eu aqui acredito que esse fim tenha sido apenas uma pausa, já que uma galinha dos ovos de ouro não se mata assim), ainda vai levar milhões de adolescentes na idade do armário às salas mundiais para verem o "Harry Potter and the Half Blood Prince", algures durante o próximo mês de Junho (trailer surpreendentemente interessante, aqui).

Em relação ao "Blindness", amanhã não me escapa. Já tenho os bilhetes meticulosamente guardados num compartimento secreto da minha carteira. Não vá o diabo tecê-las.

12 novembro 2008

Sem hesitar...

É um dos melhores do ano. Sim, no mesmo ano em que estreiam über-produções como "O Cavaleiro das Trevas", filmes para toda a gente como "Wall.E" e (em Portugal) tivemos dose dupla de Irmãos Coen. "Em Bruges" é, na sua simplicidade de pequeno filme britânico, uma pequena pérola que deve ser vista com a maior brevidade pois a ditadura dos musicais de liceu parece estar para durar.
Deixo também o poster do filme e prometo uma crítica mais completa para breve.

P.S. Vai ficar em Coimbra, pelo menos, mais uma semana.

Being Jean-Claude Van Damme



Um obrigado ao JBM, que me alertou para esta preciosidade...

Hoje não há programa

A Rádio Universidade de Coimbra transmite, em directo a partir da Cantina dos Grelhados, uma Assembleia Magna da Associação Académica de Coimbra.

Ponto Único, discussão da comissão de alteração dos Estatutos da AAC. Os Suspeitos voltam na próxima semana, no horário normal.

11 novembro 2008

W (Oliver Stone, 2008)

A estória é conhecida, melhor ou pior, pela maioria da população atenta. George W Bush tornou-se o 43º presidente dos Estados Unidos no final do ano 2000. Desde então tem-se posicionado solidamente na pole position para a pouca ambicionada honra de “Pior Presidente da História”.

Apoiado numa linha temporal não-linear, o filme inicia-se, literalmente, dentro da cabeça de W. Durante uma reunião de preparação da guerra do Iraque, George vai ao seu lugar seguro: um estádio de basebol vazio onde ele é a estrela. Simbolicamente não poderia ser escolhido melhor local para que W se sentisse à vontade. O tem o som de aplausos ruidosos e W é o unico jogador em campo a apanhar a bola decisiva que decide o encontro, no entanto, algo está errado. O estádio está vazio e mais nenhum jogador está em campo. W acaba de ganhar um jogo sem qualquer concorrência e sem nínguem a ver. No final do filme, voltamos ao mesmo estádio, com W a tentar fugir dos problemas de uma guerra sem fim à vista, mas desta vez já nem a bola está no estádio. De certa forma, George W. Bush é isto mesmo: um jogador de basebol sem público, sem companheiros de equipa ou adversários a rodeá-lo e agora sem qualquer ideia de onde está a bola, aquilo que mais importa para um praticante deste desporto (“keep your eye on the ball”, ouvimos em outros filmes), representando aqui o foco do presidente, disperso por sua própria culpa.

Voltemos um pouco atrás. Como foi que W se transformou em Presidente dos EUA, era esta a pergunta que Oliver Stone lançava durante a campanha publicitária. É esta a estória que vemos ao longo das cerca de duas horas de filme. Nada que seja novidade, dada a extensa bibliografia já dedicada a George W. Bush, mas não deixa de lá estar quase tudo: o alcoolismo, a dificuldade em manter um emprego e, sobretudo, o tratamento que os amigos lhe davam como “rei da festa”, “macho-alfa” devido às relações familiares. O dificil relacionamento com os pais não deixa também de aparecer, assumindo principal importância a forma como W e “Poppy” Bush se relacionam. George Herbert Walker Bush é a antítese do filho. Ou melhor, o filho é a antítese do pai. Contraste procurado pelo próprio filho numa busca Edipiana de sair da sombra do pai, na tentativa de o superar e ultrapassar o mandato unico do pai como presidente. É tanto mais significativo então, o confronto entre os dois, durante um pesadelo de W, na sala oval da Casa Branca. Aqui nos é revelado outro dos segredos da familia Bush, que não é assim tão segredo: era a Jeb, e não George W, que estava a ser preparado o terreno para ascender à presidência, com “Poppy” a acusar W de destruir, em 8 anos, o nome da familia Bush.

Oliver Stone decidiu transpor para a forma cinematográfica a ascensão ao cargo de homem mais poderoso do mundo com relativa simplicidade, deixando o tom de sátira política presente apenas nas subtilezas da bando sonora, assumindo desta forma as declarações e actos das personagens principais como sátira reflexiva, uma espécie de conceptualidade na paródia que o é sem que os seus causadores se apercebam que a estão a fazer.

Quem é então George W. Bush? O filme de Oliver Stone abstém-se de traçar uma definição final, mas deixa algumas pistas. Ao longo das analepses é-nos dado a conhecer um homem comum, na corrente actual da narrativa vê-mos essa mesma pessoa, mas com poderes para ordenar a invasão de um estado independente e é talvez esse o traço definidor de W: um homem comum, que nunca deveria ter tido poderes tão alargados, em ultima análise, que nunca deveria ter sido eleito.

03 novembro 2008

O Cinema do Susto


Depois de "Cinema Now" (Taschen, 2007), a próxima edição da Taschen dedicada à 7ª Arte volta a ser imperdível para os cinéfilos em geral e sobretudo para os aficionados do género. "Horror Cinema" apresenta uma história visual do cinema de terror, dos assassinos em série aos canibais, dos mortos-vivos aos demónios, dos vampiros aos lobisomens. Enquanto o livro não chega às prateleiras, pode ser "desfolhado" aqui.

02 novembro 2008

Entre os Dedos (2008, Tiago Guedes, Frederico Serra)

Se nos ultimos dias se tem sentido mais frio na rua, quase que poderia dizer que se deve em parte a este filme. Não por rejeitar uma ligação afectiva ao espectador, há bastante por aqui para o estabelecer, mas pelo olhar frio que os realizadores têm da sociedade portuguesa, em particular da desgraça que lhe é transversal.

Mas comecemos pelo início. De acordo com o Cinecartaz, «Entre os Dedos
é a história de um conjunto de pessoas que agora se limitam a sobreviver dentro do destino que lhes coube. Mas enquanto uns desistem e deixam cair os braços, outros resistem, esbracejam e lutam, recusando-se a deixar-se conformar.Depois de uma derrocada numa obra, Paulo perde o emprego porque denunciou a situação. A sua relação com a mulher vai piorando dia após dia. Anabela, a irmã de Paulo, vive com o pai de ambos, que sofre de síndrome do Ultramar. Bela é enfermeira e o único conforto de um doente terminal.»

Passando por cima da tradição nacional de incluir na sinopse uma interpretação do filme que se está a promover, a primeira impressão que se tem é que vamos assistir a mais um filme-mosaico, tão na moda. Sim, é um filme-mosaico, mas feito com os meios à disposição dos portugueses. Se a associação com um produtor brasileiro contribuiu para que o desnível técnico da produção nacional não se sinta aqui (e que parece sentir-se cada vez menos, mesmo em filmes 100% portugueses), estamos perante um filme-mosaico mais limitado em termos de dispersão de personagens e estórias a contar.
Aqui, a estória principal gira à volta do casal Paulo e Lucia (magnifíca Isabel Abreu), com algumas breves espreitadelas para a vida do pai e irmã de Paulo e de um doente a receber cuidados paliativos da ultima, que é enfermeira.
A economia torna-se util no desenvolvimento da narrativa principal de Paulo e Lucia, mas seria ainda mais util eliminando a estória do doente em fase terminal (cujo nome não cheguei a apanhar), que acaba por atrapalhar mais do oferecer uma perspectiva suplementar sobre o sofrimento humano.

Voltemos às personagens e à sua extrema humanidade. Paulo é um recém-desempregado depois de ter sido despedido da obra onde trabalhava, é-nos dado a entender por denunciar condições de segurança não cumpridas. O enorme orgulho impede-o de aceitar ajuda de quem quer que seja, mesmo do pai, com quem tem uma relação complicada. Após o despedimento é ainda lançado para uma depressão que o leva a negligenciar o que seria mais importante: procurar novo emprego. Lucia é a mulher de Paulo, mãe heróica de dois de filhos que tenta o possível e o impossível por manter o orçamento familiar equilibrado. A juntar a este relacionamento problemático está o da irmã e pai de Paulo. Ele, ex-combatente da guerra colonial portuguesa, racista contido com uma filha mulata. O confronto entre ambos está latente até que o pai explode e chama a filha de “preta” enquanto ouve um hino de exaltação à Guerra em Angola.

Salta à vista a fotografia a preto e branco, transportando para o espectador a glacialidade da vida das personagens do ecrã. A realização da dupla Tiago Guedes e Frederico Serra também merece uma referência, sendo de evidenciar a característica claustrofóbica que é dada à própria casa de cada uma das personagens, como se o mundo desabasse, mesmo no local onde se poderia encontrar algum conforto. A utilização de uma banda sonora minimalista contribui também uma sensação de frio vinda do ecrã. Não há nada de bonito ou para relaxar neste “Entre os Dedos”. Tudo é dificil de aguentar, a dor está presente em cada fotograma. Na esteira de Alejandro Gonzalez Iñarritu, aqui é a miséria da existência portuguesa no início do século XXI que é dissecada num argumento de Rodrigo Guedes de Carvalho. Sem compromissos na forma como cada personagem é retratada e na forma como a cada situação é dada uma resolução sem o ser, um final em aberto, porque a vida continua e é preciso continuar em frente.

Pode não ser o melhor exemplo de cinema português para o grande público, o apelo comercial de uma obra destas é bastante reduzido, mas é um bom sinal para os tempos que aí vêm, mostrando como é possível fazer cinema em Portugal sem deixar qualquer pormenor técnico enfraquecer a qualidade da obra.
 

Os Suspeitos do Costume _ O Cinema na RUC _ 107.9 FM © 2008. RUC Emissão Online