11 novembro 2008

W (Oliver Stone, 2008)

A estória é conhecida, melhor ou pior, pela maioria da população atenta. George W Bush tornou-se o 43º presidente dos Estados Unidos no final do ano 2000. Desde então tem-se posicionado solidamente na pole position para a pouca ambicionada honra de “Pior Presidente da História”.

Apoiado numa linha temporal não-linear, o filme inicia-se, literalmente, dentro da cabeça de W. Durante uma reunião de preparação da guerra do Iraque, George vai ao seu lugar seguro: um estádio de basebol vazio onde ele é a estrela. Simbolicamente não poderia ser escolhido melhor local para que W se sentisse à vontade. O tem o som de aplausos ruidosos e W é o unico jogador em campo a apanhar a bola decisiva que decide o encontro, no entanto, algo está errado. O estádio está vazio e mais nenhum jogador está em campo. W acaba de ganhar um jogo sem qualquer concorrência e sem nínguem a ver. No final do filme, voltamos ao mesmo estádio, com W a tentar fugir dos problemas de uma guerra sem fim à vista, mas desta vez já nem a bola está no estádio. De certa forma, George W. Bush é isto mesmo: um jogador de basebol sem público, sem companheiros de equipa ou adversários a rodeá-lo e agora sem qualquer ideia de onde está a bola, aquilo que mais importa para um praticante deste desporto (“keep your eye on the ball”, ouvimos em outros filmes), representando aqui o foco do presidente, disperso por sua própria culpa.

Voltemos um pouco atrás. Como foi que W se transformou em Presidente dos EUA, era esta a pergunta que Oliver Stone lançava durante a campanha publicitária. É esta a estória que vemos ao longo das cerca de duas horas de filme. Nada que seja novidade, dada a extensa bibliografia já dedicada a George W. Bush, mas não deixa de lá estar quase tudo: o alcoolismo, a dificuldade em manter um emprego e, sobretudo, o tratamento que os amigos lhe davam como “rei da festa”, “macho-alfa” devido às relações familiares. O dificil relacionamento com os pais não deixa também de aparecer, assumindo principal importância a forma como W e “Poppy” Bush se relacionam. George Herbert Walker Bush é a antítese do filho. Ou melhor, o filho é a antítese do pai. Contraste procurado pelo próprio filho numa busca Edipiana de sair da sombra do pai, na tentativa de o superar e ultrapassar o mandato unico do pai como presidente. É tanto mais significativo então, o confronto entre os dois, durante um pesadelo de W, na sala oval da Casa Branca. Aqui nos é revelado outro dos segredos da familia Bush, que não é assim tão segredo: era a Jeb, e não George W, que estava a ser preparado o terreno para ascender à presidência, com “Poppy” a acusar W de destruir, em 8 anos, o nome da familia Bush.

Oliver Stone decidiu transpor para a forma cinematográfica a ascensão ao cargo de homem mais poderoso do mundo com relativa simplicidade, deixando o tom de sátira política presente apenas nas subtilezas da bando sonora, assumindo desta forma as declarações e actos das personagens principais como sátira reflexiva, uma espécie de conceptualidade na paródia que o é sem que os seus causadores se apercebam que a estão a fazer.

Quem é então George W. Bush? O filme de Oliver Stone abstém-se de traçar uma definição final, mas deixa algumas pistas. Ao longo das analepses é-nos dado a conhecer um homem comum, na corrente actual da narrativa vê-mos essa mesma pessoa, mas com poderes para ordenar a invasão de um estado independente e é talvez esse o traço definidor de W: um homem comum, que nunca deveria ter tido poderes tão alargados, em ultima análise, que nunca deveria ter sido eleito.

1 comentário:

EQ disse...

Ora portanto...
Acho que antes de dizer seja o que for acerca de ‘W’, é preciso dizer que foi um acto destemido da parte de Oliver Stone propor-se a filmar ‘história-em-curso’, tendo em conta que seria necessário, para não defraudar os seguidores mais fiéis, manter o tom crítico e de sátira política que sempre caracterizou os seus filmes. Nesse sentido, ‘W’ acaba por ser – e teria sempre que ser – bem menos acutilante que ‘Nixon’ ou ‘JFK’ (para citar filmes de Stone sobre Presidentes dos EUA), tendo razões de sobra para o ser em dobro. Por outro lado, ‘Nixon’ ou ‘JFK’, mais do que como biopics, poderiam ser encarados como documentários (muito especialmente ‘JFK’), enquanto que este ‘W’ é definitivamente um retrato do homem.
É precisamente este o ponto de partida para, quanto a mim, entender a abordagem escolhida. ‘W’ escolhe fazer o retrato do homem, e não do monstro, ainda que nos dê, variadas situações e de diversas formas (muito capaz, a escolha da banda sonora), a noção de que o homem não será muito melhor do que o monstro. ‘W’ é retratando como um rapazinho instável, que muito pouco deve ao coeficiente emocional (que agora já não se diz QI), dominado por uma relação de grande ambiguidade afectiva em relação ao pai, que cresce à sombra de um irmão claramente preferido. Um jovem manipulável, pateta e intelectualmente pouco equipado, que foi alcoólico e que é salvo pela ideia de Deus. Um homem que, pela força das tradições familiares e na ambição de conquistar a aprovação do pai, envereda por uma carreira política inicialmente pouco promissora e que acaba por ascender à posição de homem mais poderoso do mundo.
Não creio que Oliver Stone se abstenha, pela primeira vez, de transmitir a sua opinião sobre os factos. Antes, acredito que resolveu fazê-lo de uma forma mais subtil, deixando a interpretação das evidências ao nosso critério, apoiando-se, naturalmente, na frescura da memória colectiva em relação a George W e aos seus dois mandatos. A ‘táctica do retrato’ é quase perfeita, porque praticamente inatacável. Nesse sentido, ‘W’ é um filme muito inteligente.

Edite Queiroz

 

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